Cachaça diferenciada, sanduíches e ostras são estrelas de pés-sujos pouco conhecidos da região

Fonte por Maurício Peixoto para Jornal O Globo

Morador do Leblon, o comerciante Ricardo Bocalem passou a frequentar com assiduidade, há cerca de um mês, a Tijuca. Aficionado por frutos do mar, ele descobriu, por indicação de amigos, o Britânia Rio-Lanches, na Rua Desembargador Izidro, próximo à esquina com a General Roca. Segundo Bocalem, a casa oferece uma das melhores ostras que ele já provou. A iguaria é apenas uma das pérolas gastronômicas de pés-sujos da região pouco badalados, mas conhecidos entre os bons entendedores de boteco. Com a ajuda deles, o jornal desvendou alguns desses tesouros, que vêm atraindo boêmios e bons de garfo dos quatro cantos da cidade.

Uma imagem de Nossa Senhora de Aparecida, uma bandeira da Acadêmicos do Salgueiro, um relógio do América Football Club e fotos dos frequentadores dividem espaço nas paredes do Britânia e compõem o cenário do bar, na entrada de uma galeria há 40 anos. O nome é uma homenagem ao cinema homônimo, que ficava no interior da galeria, e encerrou suas atividades em 1973. Há duas décadas, João Marta e o irmão, Manoel, compraram o espaço e mantiveram o nome. Também foram preservados o balcão, as cadeiras “bunda de fora” e a parede com azulejos antigos, que dão ao local a atmosfera original de boteco. Apenas a iguaria que se transformou no carro-chefe da casa, trazida em levas diárias, segundo o dono, por um fornecedor de Santa Catarina, e comercializada a R$ 5, a unidade, foge aos padrões dos pés-sujos.

— Começamos com as ostras meio que por acaso. Sempre gostei e trouxe umas para petiscar. Ofereci a alguns clientes que provaram, aprovaram e deram a ideia de comercializar. Decidi, então, colocar no cardápio. Deu certo, e até hoje temos. Acho que somos o único boteco da cidade que oferece frutos do mar — conta João, torcedor do São Cristóvão. — Meu irmão é América.

Ricardo Bocalem não acreditou quando soube que o molusco, caríssimo, era vendido num pé-sujo.

— É difícil acreditar. Pelo Rio, só conheço restaurantes caros que vendem. Trata-se de algo muito perecível, que pode causar grandes problemas se consumido fora da validade. Se eles servem isso há 20 anos aqui, é porque são de confiança. É uma delícia, e agora me tornei um cliente fiel — diz.

Um outro fruto do mar que faz sucesso no Britânia é o mexilhão no bafo, vendido a R$ 20 a porção, mas que só sai por encomenda. Há também PFs, petiscos variados, sanduíches, queijos… Outros campeões de pedidos no balcão, a moela, a carne-seca, o pernil e a orelha de porco são estrelas do menu.

— Essa comida é tradicional, de boteco antigo, e não pode faltar aqui. Com uma farofinha com cebola, acompanham bem uma loura gelada e compõem aquelas dobradinhas impecáveis — explica João, que costuma dar dicas aos amigos e clientes para curar ressaca. — O chá de boldo é infalível. Só não sai mais que a cerveja. É bom para a bile e o fígado.

Atrações musicais ajudam a movimentar o espaço. Às terças, a velha guarda do Salgueiro se encontra para uma roda de samba no local, onde também há serestas, às sextas; e pagode, aos sábados.

Nos arredores da Praça da Bandeira, onde um polo gastronômico se formou, funciona, há seis décadas, outro estabelecimento frequentado por entendedores da cultura do boteco: o Bar e Lanchonete Rex, na Rua do Matoso 7. No bar, comprado há seis anos por um grupo de cearenses, destacam-se os frangos assados na brasa, daqueles que vêm sempre com as casquinhas crocantes e torradas; e o estafe de atendentes, todos da terrinha, sempre muito atenciosos.

Ao comprar o bar, os administradores atuais decidiram manter a decoração que impera no universo dos pés-sujos: balcão com cadeiras “bunda de fora”, garrafas de aguardente nas prateleiras e azulejos portugueses. Também ficou decidido preservar uma bebida que já era tradicional da casa: o “coquinho” (R$ 5, a dose). A cachaça, servida em copo americano, passa 15 dias dentro do coco, onde é curtida para pegar o aroma e o paladar da fruta.

— Fica parecido com Malibu (rum caribenho com coco), bebida de rico, né? É uma espécie de genérico — diverte-se Alex Alecrim, cliente fiel.

Também foram mantidas pela nova turma a comida do balcão (rabada, costelas suína e bovina, frango ensopado e carne assada), sempre muito temperada; e as carnes (frango, contrafilé e linguiça mineira) cozidas na brasa com carvão, ao lado do balcão.

Uma região com muitos achados

O nome oficial é Bar Guanabara. Só que o estabelecimento da Rua Doutor Satamini 136-A, na Tijuca, é conhecido mesmo como o Bar do Joel. O tal Joel, um simpático potiguar de sobrenome Queiroz, que se autodefine como uma espécie de sósia do ator Robert de Niro, tornou-se proprietário de outro “achado” da região há seis anos, quando comprou a casa.

No balcão do bar, que já funcionava no local desde 1966, fazem sucesso os pescoços de peru e de cordeiro, o jiló ao alho, o torresmo, o quibe e as almôndegas, além de pratos como a rabada e a galinha caipira. Mas o grande destaque é a sambiqueira (R$ 10, a porção), o finalzinho do rabo da galinha, receita da mãe de Queiroz, trazida do Rio Grande do Norte.

— Joga um limãozinho e uma farofa. Fica dos deuses! Vim para o Rio em 1968 e sempre trabalhei em bar. Via que o pessoal jogava fora, não aproveitava — ensina Queiroz.

Na Mariz e Barros 1.024-B, Maracanã, o Boteco Abençoado, gerenciado por um família de cearenses há quatro anos, oferece dois petiscos que se destacam entre os produtos expostos no balcão: os pastéis (carne, queijo, calabresa, frango e carne-seca; R$ 5, a unidade) e o sanduíche de carne assada (R$ 10).

— O pastel é o nosso carro-chefe, é o que mais sai. O sanduíche também sai muito. Elogiam demais a nossa carne, modéstia à parte. Tem um tempero e um segredo que eu não revelo, senão a concorrência pode copiar — explica o gerente, Cícero Ferreira.

O botequim também tem boa música: toda segunda-feira à noite, roda de jazz. E na última sexta do mês, uma roda de MPB e bossa nova.

Sem placa de identificação, outro estabelecimento, na esquina das ruas Afonso Pena e Pardal Mallet, na Tijuca, tem atraído bons de garfo: o Bar do Chico. Desde 1980 ali, é comandado pelo cearense Francisco de Souza, que atribui à cerveja, sempre geladíssima, e à carne de sol, servida com aipim, o sucesso do bar. Uma manteiga de garrafa quentinha, a pizza brotinho de abobrinha e os caldos verde e de feijão ajudam a manter a clientela.

— Tomamos sempre cuidado para a cerveja não congelar. Isso é importante— conta.

Há quatro anos na esquina da Almirante Cochrane com a São Francisco Xavier, o Bar e Lanchonete Barra Limpa, ou Bar do Cabeça, para os iniciados, tem um badalado frango à passarinho (R$ 45, a porção para três marmanjos com fome). Na esquina da Afonso Pena com a Mariz e Barros, brilha a porção de lombinho do Café e Bar Barros Pena, outro pé-sujo que merece destaque, assim como o Dona Zulmira, no 111 da mesma rua, e que prima pela porção de sardinha, os pastéis e o bolinho de aipim. E o Casa Treze, na Rua José Vicente 13, no Grajaú, tem um pão de alho-poró com queijo suíço que ganha cada vez mais fama.

Frequentador de alguns desses bares, o jornalista Braulio Neto, dono de uma página no Facebook sobre cervejas especiais, diz que os botequins da região são singulares.

— Vou muito ao Bar do Cabeça, ao Guanabara e ao Abençoado, excelentes. Vão além de meros servidores de cerveja. Buscam criar sua marca e é isso que atrai a freguesia. Nunca vi em outro lugar, por exemplo, a sambiqueira do Joel, ou um jazz em pleno botequim. Nós, tijucanos e admiradores de um bom boteco, agredecemos — comemora Neto.

Para finalizar, o sanduíche de pernil e a batida de coco do Bode Cheiroso, na General Canabarro, são iguarias que merecem destaque no universo dos botecos. Administrado pela mesma família desde 1945, o estabelecimento cresceu em nome, mas continua pé-sujo na essência, com sua decoração retrô original.

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