Também foram encontrados chineses nas mesmas condições em pastelaria na Praça Mauá. 

Fonte: Por Alessandro Lo-Bianco para o OGlobo

Em uma blitz realizada nesta sexta-feira em várias pastelarias do estado, auditores fiscais da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Rio (SRTE-RJ) e agentes do Procon Estadual encontraram três chineses que eram submetidos a condições análogas à escravidão. Um deles estava em um buraco no sótão de uma loja na Rua Camerino, na Praça Mauá, no Centro; os outros dois, em um estabelecimento na Rua Luís Barbosa, em Vila Isabel.

Os locais foram interditados por falta de higiene, e amostras de seus salgados serão analisadas em um laboratório, que indicará a procedência dos alimentos usados como recheios. No último sábado, O GLOBO revelou que, durante uma operação do Ministério Público do Trabalho, procuradores encontraram carne de cachorro congelada em uma pastelaria de Parada de Lucas, na qual um funcionário, também chinês, tinha várias marcas de tortura pelo corpo.

A fiscalização desta sexta-feira fez parte da quarta etapa da chamada Operação Yulin, lançada em 2011. Nas três primeiras, também houve a constatação de situações de trabalho escravo e quatro pessoas foram resgatadas. Os três chineses encontrados nas pastelarias da Praça Mauá e de Vila Isabel não falam português nem tinham documentos. Eles foram levados para a sede do SRTE-RJ) para prestar depoimentos com o auxílio de um intérprete.

GATO PARA AFASTAR RATOS

A primeira pastelaria visitada nesta sexta-feira pela equipe da SRTE-RJ e do Procon foi a da Praça Mauá. De acordo com a auditora fiscal Larissa Abreu, havia colchões no andar superior do estabelecimento, e um dos funcionários dormia em um buraco, junto a vários cabos de eletricidade.

— O cenário que encontramos apresenta fortes indícios de que ele estava em uma situação análoga à escravidão — disse Larissa.

Segundo Fábio Domingos, diretor de fiscalização do Procon, o estabelecimento recebeu autos de infração por apresentar condições insalubres.

— Encontramos um cenário de horror. Um gato circulava por uma bancada na qual havia uma grande quantidade de frango desfiado, que seria usada para rechear pastéis. Funcionários disseram que o felino servia para afastar ratos. No entanto, o animal poderia urinar e defecar nos alimentos, contaminando-os. Também vimos muita poeira e insetos na área de preparação dos salgados — contou Domingos.

Na pastelaria de Vila Isabel, além de dois funcionários que estariam trabalhando em regime análogo à escravidão, a equipe encontrou alimentos com prazo de validade vencido e marcas de mordidas de roedores em diversos pacotes. O estabelecimento também recebeu autos de infração por insalubridade.

Os responsáveis pela Operação Yulin também foram a uma pastelaria na Rua Conde de Bonfim, na Tijuca, que, de acordo com denúncias, submetia funcionários a condições desumanas. No entanto, o estabelecimento estava fechado quando os fiscais chegaram.

Em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, chineses que trabalhavam em uma lanchonete saíram correndo da loja no momento em que perceberam a aproximação de agentes do Procon e de auditores fiscais da SRTE-RJ. O estabelecimento, que não tinha alvará nem condições básicas de higiene, foi interditado.

A operação, motivada pelas denúncias de trabalho escravo e de uso de carne de cachorro em pastéis, foi batizada de Yulin porque este é o nome de uma cidade chinesa onde, anualmente, acontece um festival culinário no qual cães são abatidos para o preparo de vários pratos.

Na quinta-feira, a Vigilância Sanitária do município do Rio deu início a uma série de ações de fiscalização em pastelarias, que deverá se estender até meados do mês que vem. Dez lojas já foram autuadas por más condições de higiene e armazenamento de produtos com validade vencida. Três — localizadas em Botafogo, em Laranjeiras e na Tijuca — foram interditadas.

Segundo procuradores do Ministério Público do Trabalho, investigações apontam que moradores da cidade de Guangzhou, na China, recebem convites para vir ao Brasil, mas, quando chegam às pastelarias do Rio, são informados que terão de trabalhar de graça por três anos para pagar as passagens aéreas, a estadia e a alimentação. O esquema de aliciamento teria a participação de homens com entrada liberada em áreas privativas do Aeroporto Internacional Galeão-Tom Jobim. Responsável pelo setor de imigração, a Polícia Federal informou que não comenta casos que estão sendo apurados.

SALGADOS JOGADOS NO LIXO E XINGAMENTOS

A aposentada Márcia Rezende, de 74 anos, acompanhou com preocupação a fiscalização na loja da Rua Camerino, na Praça Mauá. Ela havia comprado pastéis para os três netos e, após ver a aparência assustada dos agentes do Procon que saíam da cozinha, obrigou as crianças a jogar os salgados numa lata de lixo. Em seguida, reclamou com um atendente e exigiu seu dinheiro de volta.

— Estava comendo pastéis com os meninos e acabo de escutar um fiscal falando que um gato andava por uma mesa cheia de frango desfiado. Era justamente esse o recheio do meu salgado. Que absurdo! Vou pegar meu dinheiro de volta e nunca mais pisarei aqui — disse Márcia.

A reação de clientes da pastelaria da Rua Luís Barbosa, em Vila Isabel, foi parecida. Alguns xingaram os donos da loja quando souberam que quilos de alimentos vencidos foram encontrados no local.

— Trabalho como vigia da rua há dois anos. Durante todo esse tempo, comi pastéis aqui. Imagine como estou me sentindo agora — reclamou um cliente, que pediu para não ser identificado.

 

 

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