Ciclista conta que assaltantes pareciam felizes por terem capturado grupo de atleta

Fonte: Por Ana Lúcia Azevedo para Jornal O Globo

Na mais famosa floresta urbana do mundo, não há leões e tampouco lobos. O grande predador é o homem. Suas vítimas, outros seres humanos. Na Floresta da Tijuca há gente que ataca gente. E é esse medo que assombra os atingidos pela violência e aqueles que ainda não desistiram de desfrutar um dos cartões-postais da cidade. É a sensação de ser caçada e atacada por bandidos que espreitam na mata que perturba uma das vítimas do assalto de sábado no Parque Nacional da Tijuca.

Quatro ciclistas foram salvos pela polícia quando seis ladrões saqueavam seus pertences, após tê-los obrigado a se deitar de bruços no chão. Ao ver a aproximação de dois carros da polícia, os bandidos fugiram. Atacaram os policiais a tiros, feriram um deles e escaparam em direção ao Andaraí. Coisa de menos de dez minutos, mas que, para a vítima, que prefere não se identificar, tem o tempo da eternidade.

‘Achei que iam atirar’, conta vítima

Para os bandidos, todos jovens, parecia uma festa, lembra a vítima, profissional liberal que há dez anos madruga para conciliar o trabalho com os treinos de mountain bike na floresta. Rotina parecida com a de muitos outros ciclistas, corredores e caminhantes. Num lugar onde o maior desafio já foram as subidas puxadas, agora o difícil é controlar o temor de um ataque, a cada curva, a cada sombra. Vestidos com roupas esportivas de marca, os ladrões do sábado pareciam comemorar uma caçada até então bem-sucedida.

— Eles demonstraram imensa alegria por ter nos capturado. Ameaçaram aos gritos um de nós que se recusou a se deitar no chão. Achei que iam atirar, mas a polícia chegou e nos salvou — conta.

Amiga de alguns dos ciclistas assaltados em 2 de maio, num crime que reacendeu o medo da violência na floresta, ela tinha esperança de que o sentimento constante de insegurança fosse apenas isso, uma sensação perturbadora.

— Quando soubemos do drama dos que ficaram horas em poder de criminosos, passamos a sentir que o perigo chegava cada vez mais perto. Mas você sempre acha que nunca vai acontecer — diz.

Mas aconteceu. Exatamente no mesmo lugar, a trilha chamada Lagartixa, uma das duas únicas liberadas para a prática de mountain bike no parque.

— É uma trilha difícil. Exige preparo técnico, capacete fechado, óculos especiais, joelheiras e cotoveleiras. Nos surpreenderam enquanto preparávamos o equipamento para descer. Um deles chegou, berrou “perdeu playboy” e, de arma em punho, nos rendeu — relata.

A Lagartixa fica junto à Estrada do Excelsior, onde há um dos mirantes mais belos da floresta. Próximos estão a Capela Mayrink, a Cachoeira das Almas e outros recantos do parque procurados por famílias em busca de lazer nos fins de semana. Lugares de excursões escolares, pontos de encontro de excursões turísticas. Mas a contemplação da paisagem virou sobressalto.

— O fato é que as pessoas estão assustadas e se apavoram com o primeiro som, vulto ou sombra diferentes. Roubaram nosso direito à paz — lamenta o engenheiro e apreciador de trilhas Rodrigo Pacheco, que, na terça-feira, subia pelo Horto em direção à Vista Chinesa.

Perto da Lagartixa também fica a comunidade do Andaraí, para onde fugiram os criminosos que realizaram os ataques. Um deles foi preso na segunda-feira e reconhecido pelas vítimas.

— Um jovem de 19 anos, com seis passagens pela polícia. Nunca foi preso porque era menor. Espero que desta vez ele seja punido pela lei — diz a vítima.

Ainda impressionada com a audácia dos criminosos, ela elogia os policiais.

— Não perderam a calma e perseguiram os bandidos sem nos colocar em risco. Quando um dos policiais caiu ferido a bala, os outros continuaram a correr atrás dos bandidos, que atiravam sem parar. E os ladrões, muito ágeis, tinham a vantagem das roupas leves, enquanto os policiais usavam o mesmo uniforme de asfalto, em nada adequado a correr numa floresta — frisa.

Por ironia, os assaltados participaram das negociações de mais de um ano que levaram à autorização para ciclismo das trilhas Lagartixa e São Miguel.

— Foi uma conquista. Como desportistas, ficamos felizes. Um projeto muito bem feito, com plano de manejo, cuidados redobrados com o meio ambiente e a qualidade técnica das trilhas. Cada aspecto foi planejado em detalhes. Só o que ninguém imaginou foi toda essa violência.

Como outros frequentadores, ela não acha que o problema seja só na Lagartixa. Mas em toda a floresta, dentro e fora do parque. Outro ciclista experiente, que também se mantém no anonimato com medo de represálias, diz que não há lugar seguro. Os mais vulneráveis são os que dão acesso a comunidades, usadas como rotas de fuga. Mas todos têm risco.

Três assaltos este ano no parque

Mesmo que a algazarra de micos nos galhos ou o mero balançar de folhagens ao vento preguem sustos desproporcionais, não há planos de deixar a floresta. A ciclista que já foi refém de criminosos não quer agora ser prisioneira do medo.

— Dá uma tristeza muito grande saber que o maior perigo de uma floresta é o ser humano. Quem tem medo de animais selvagens? Ninguém. A gente teme o homem. Já deixei de usar a ciclovia da Lagoa com medo de ser esfaqueada, fiz minha filha vender a bicicleta para evitar ser roubada, mas não vou desistir da floresta. O que adianta morar no Rio, se você não pode usufruir a cidade? Tenho medo, muito. Mas não abro mão dos meus direitos.

Embora lamente casos como o da semana passada, a administração do parque diz que só três assaltos foram registrados oficialmente este ano na unidade. Por ano, cerca de 400 mil pessoas percorrem as trilhas do Parque Nacional da Tijuca, segundo as contas da própria administração. A segurança das trilhas tem sido feita por homens do Comando da Polícia Ambiental (CPAM). Foi uma equipe do CPAM que salvou as vítimas do assalto do sábado passado.

O parque também conta um acordo de gestão compartilhada com o governo do estado e a prefeitura. É graças a esse acordo que este ano o Parque da Tijuca passou a ter patrulhamento da PM e da Guarda Municipal. Cabe aos vigilantes do próprio parque apenas o controle do acesso e a proteção das instalações.

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